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  • Luiza Frazão

E o Natal já passou!...


O Natal já passou e no sapatinho ficaram… belas aprendizagens!

Eu adoro a época do Natal. Apesar de toda a capa cristã que a recobre, é uma quadra muito em sintonia com a minha espiritualidade pagã. É um período cheio de magia pela prevalência da escuridão em relação à luz, da noite em relação ao dia. Pelo contraste também. Entre o ambiente de festa e os rigores da estação.

Na verdade, trata-se da estação mais rigorosa e desafiadora do ano, que para as nossas antepassadas e os nossos antepassados, poderia mesmo pôr em risco a própria sobrevivência. A época era vivida, por essas sociedades rurais do passado, como um período de escassez, pois a terra do Inverno, em pousio, nada produz, e os rigores do clima exigem maior quantidade de recursos e de energia. Então nós, seres humanos, sabemos que precisamos mais do que nunca da solidariedade, do apoio, do aconchego, do calor humano do grupo a que pertencemos. Precisamos também de nos assegurar das boas graças da nossa estrela e por isso lhe acendemos fogueiras nas longas noites festivas de Santa Luzia, do Natal e do Ano Novo, relembrando-lhe, em gratidão, o quanto dependemos do seu fogo, do seu calor, da sua luz para podermos continuar vivas e vivos neste planeta e neste plano.


É por isso normal que, mais do que nunca, nós queiramos estar com a nossa família de origem. Mas por causa disso mesmo, é também muitas vezes quando nos sentimos mais sós e isoladas/os, porque pode acontecer que a forma como decidimos viver a nossa vida, para sermos fiéis à nossa alma, choque com os valores cultivados por essa mesma comunidade familiar, que não nos entende e pode não nos apreciar. Conflitos antigos podem agora ressurgir mais vivos e prementes.


Então, esta é uma época em que, de facto, podemos estar com o nosso coração bem aconchegado, umas com as outras, uns com os outros, mas em que também pode acontecer o contrário, ou seja, podemos sentir mais agudamente a nossa singularidade incompreendida, geradora duma profunda sensação de afastamento. A forma como nós escolhemos viver a nossa vida e a forma como isso se opõe à mentalidade dominante na nossa comunidade familiar pode por vezes implicar que tenhamos de pagar um preço demasiado elevado para encaixarmos. Pode custar-nos a pele da alma.


É possível assim que esta quadra natalícia, em vez de ser de amor e de paz, seja de dor, de profunda dor provocada pelo sentimento de separação, de não pertença, de exclusão. E às vezes até fazemos tudo para nos sentirmos incluídas/os, e quanto mais insistimos, pior a situação parece tornar-se.

E estou a falar duma época que, apesar dos desafios do consumismo, normalmente amamos, pelo menos eu amo particularmente. Pelo sortilégio, por todo o ambiente de festa, pelas recordações da infância que carregamos na nossa alma. Mas a verdade é que essas memórias podem fazer um péssimo contraste com a realidade. Por vezes nós queremos esse aconchego da família, mas já não a temos; queremos esse odor a filhoses fritas, a lenha queimada na lareira, mas tudo isso já se foi há muito. E às vezes forçamos a barra, como se diz, e queremos a todo o custo experienciar isso de novo. Em vão.


Porque na verdade aquilo que a vida nos propõe é que possamos fluir com o que é, que reinventemos, ou criemos as nossas próprias tradições, adaptando-as à forma que a nossa vida tomou. Sensato será reinventarmos a vida, sabendo que temos sempre a nossa alma, as nossas emoções para nos guiarem.

"Será que eu estou a sentir-me bem aqui?" "Será que eu estou a forçar a minha inserção num mundo que já não existe?" "Será que este ambiente não é demasiado tóxico para mim?" Estas são algumas questões que deveriam fazer parte dos nossos preparativos do Natal, a par da lista de compras, ou na vez dela.


Porque de facto muitas vezes passamos a ceia de Natal acompanhadas de pessoas, sim, mas com uma profunda sensação de isolamento; estamos à mesa de Natal muitas vezes abrindo a boca apenas para ingerir os alimentos, não há nada para dizermos, ou não há ninguém interessada/o naquilo que podemos ter para dizer, não há ouvido para a nossa palavra, espaço para a afirmação da nossa verdade. Não há espaço para nós.


E é como se, ao estarmos ali, tivéssemos cedido, esquecido, relevado uma série de coisas e agora a contrapartida frustrante fosse apenas uma invisibilidade e mudez inquietantes.


Tudo isto tem feito com que nos últimos anos, no Natal, eu tenha procurado ser fiel antes de tudo o mais à minha alma, por puro respeito pelo encanto da estação. Na verdade por que tenho eu de me comprometer com outras pessoas, quando apenas me é possível comprometer-me comigo mesma, com o bem-estar da minha alma? Não posso comprometer-me com mais nada, e quantas vezes a vida não nos mostrou que ceder, ir, tentar encaixar, não é o caminho, porque “tentar” já quer dizer que não conseguimos; fizemos tudo, mas não resultou. Então a vida está a dizer-nos “Não é por aí, não é assim. Continua fiel àquilo que te dá alegria, sensação de expansão, àquilo que te faz sentir bem, àquilo que te faz sentir que é seguro seres quem tu és”.


E a verdade é que por vezes sentimo-nos (des)integradas em comunidades desalmadas, pura e simplesmente. Não há alma em muitas comunidades, porque se houvesse, haveria compaixão, haveria alguma coerência, haveria pessoas que amam de verdade e não pessoas que amam, mas odeiam; que odeiam, mas que amam, enviando sinais contraditórios em todas as direcções.


Porém, mais devagar... Não aprendemos nós já que, no fundo, todas as pessoas que estão na nossa visa são o nosso espelho e que se é assim, então também nós próprias/os estamos a enviar sinais contraditórios em todas as direcções? E não sabemos que há uma coisa que precisamos de encontrar a todo o custo, que é a coerência entre o sentir e o agir, entre aquilo que fazemos e aquilo que de facto amamos e nos faz sentir bem.


Na tentativa de encontrarmos essa coerência, tudo o que precisamos é de ser fiéis a nós mesmas/os, ou seja, precisamos de ser capazes de honrar a nossa real família, aquela que constituímos com todos os nossos eus. É essa a família com a qual podemos de facto passar o Natal, ou outra festividade qualquer, em amor e paz, quando tivermos todas as partes de nós em harmonia, dando-se bem umas com as outras. Quando a Aventureira em mim, a Criança em mim, a Sacerdotisa, a Criativa, a Talentosa, a Curiosa, a Alegre, Expansiva, a Desconfiada, ou a Introvertida em mim puderem entender-se, exprimir-se e apreciar-se umas às outras. Eu preciso de estar bem com todos os elementos da minha família de alma e não de andar por aí a tentar agradar a esta ou àquela pessoa… ou porque parece bem, ou porque por vezes caímos na ilusão de que precisamos de estar para aquela pessoa; aquela pessoa está mal e precisa do nosso apoio, quando na verdade isso é pura ilusão. A vida sempre nos prova que não é por aí, que se não soubermos estar presentes para e apoiar-nos a nós mesmas, não existe nada que possamos fazer por ninguém. E as pessoas vão confirmar que assim é, que se estão nas tintas para ti, para aquilo que tu achas que podes dar-lhes, porque não temos o poder de chegar a ninguém se não somos capazes de socorrer a nossa alma, de a livrar de ambientes em que pura e simplesmente ela se sente definhar.


Grandes aprendizagens que nos proporciona o Natal! Ou grande possibilidade de relembrar coisas que afinal todas e todos sabemos tão bem, mas que por vezes tendemos a esquecer, com o “barulho das luzes”, como se diz.


Possamos nós todas e todos ser de facto capazes de honrar a verdadeira energia e proposta desta estação, que resulta da nossa conexão com a nossa Alma, que conduz à verdadeira conexão com a Alma da nossa Comunidade e com a Alma do Mundo. Assim seja, assim é!


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