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Luiza Frazão

Meu novo livro: A Deusa Celta de Portugal

Apresentação


O povo Celta considerava primordialmente duas estações do ano, o Verão e o Inverno. Este livro apresenta então essa outra divisão marcante do ano, não em oito festivais, assinalando os pontos altos do movimento da Terra à volta do Sol, embora ela também seja aqui referida, mas antes em duas metades, sempre, é claro, relacionadas com a nossa estrela. Ambas estas formas de encarar e de celebrar a Roda do Ano da Deusa se mantiveram vivas no nosso território ao longo dos séculos, ou dos milénios, sincretizadas com diferentes cultos que por aqui se instalaram vindos de paragens distantes, sendo o último deles o Cristianismo, que foi implantado com os meios de um império, o romano, como diria o professor Moisés Espírito Santo.


No meu primeiro livro, apresento a Roda do Ano, composta pelos oito festivais, que celebramos com toda a comunidade pagã por esse mundo fora, enquanto nesta obra me debruço essencialmente sobre essa visão dicotómica do ciclo anual, que enfatiza de forma simples o bom tempo e o mau tempo, ou o menos bom, referindo as suas origens ancestrais e a sua permanência, ainda hoje em dia, tão nítida e tão viva nesta parte do mundo.


À visão da natureza dual do ano corresponde então a percepção duma dupla natureza da nossa Deusa central, aquela que deu o nome a Portugal, Cale, Calaica, Cailícia-Beira, que é ao mesmo tempo anciã e donzela. Este último teónimo, Beira, parece referir-se apenas à sua face Donzela, como nos diz Kathy Jones em A Antiga Deusa Britânica (The Ancient British Goddess), embora a liberdade literária que se outorgou o autor escocês Donald Alexander Mackenzie (1873-1936), atribua a Beira a qualidade de Rainha do Inverno. Seja como for, trata-se da mesma entidade divina de dupla face e é sempre da Deusa una e múltipla que falamos.


Nesta divisão em duas partes, enfatizo o papel de Iria, que me aparece aqui como um avatar de Brígida, Ela própria a face donzela da Deusa Anciã, e que por isso mesmo invoco como Iria-Brígida. Nesta perspectiva, Ela também parece ser Beira (ver relação entre os teónimos Beira e Bride, Brígida, na obra de Kathy Jones atrás referida). Por outro lado, na Roda do Ano dos oito festivais solares, honramo-La pelo Imbolc, quando os primeiros sinais da Primavera se anunciam, na sua qualidade de Deusa Donzela, como foi consagrada entre nós, na Sua lenda e tradição.


Na perspectiva da Deusa Dupla, por outro lado, celebramo-la a 13 de Maio, quando “aparece” nesse lugar central na nossa religiosidade popular que é a Cova da Iria, ou seja, quando regressa com o bom tempo na Sua qualidade de Rainha do Verão. Nestes seis meses do ano em que fica entre nós, Ela abarca todas as faces e atributos da nossa Deusa entre Beltane e o Equinócio de Outono, de Amante, a Mãe das Águas, a Mãe da Manifestação e da Abundância a Rainha da Terra.


Já a Rainha do Inverno, que rege o semestre seguinte, Ela assume os arquétipos que vão do Samhain até ao Equinócio da Primavera. Neste sentido, a Deusa do Centro, abrange a totalidade dos elementos e qualidades arquetípicas da Deusa. Na celebração da Roda do Ano dividida em oito festivais invocamo-la no Centro como Cale, simplesmente, ou como Calaica-Beira ou ainda Cailícia-Beira. Ela é a Senhora da Terra do Meio, sendo que na Terra de Baixo, no inframundo, reina Ophiusa e na Terra de Cima, ou supramundo, Hespéria ou Ibéria, Senhora do território maior onde nos inserimos, a Península Ibérica.


Pessoalmente, vejo estas celebrações como formas muito profundas de conexão com a espiritualidade ancestral desta terra, como um atravessar de portais que nos preparam para o tempo que se avizinha, que nos iniciam na energia da fase do ano de que então nos aproximamos, a fim de mais profundamente a sentirmos e vivermos, nós que somos mais um dos elementos da natureza. Como mulheres e homens da Deusa, entramos assim no espírito da celebração colectiva, acrescentando sentido a festividades que tantas vezes nos parecem dele por completo esvaziadas. Afinal estas são ocasiões de convívio e de festa, de conexão com o sagrado, são aquelas em que nos sentimos mais vivas e mais vivos, que nos humanizam e transformam em seres mais pacíficos e pacificados, mais tolerantes, amorosos e cuidadosos uns e umas dos outros e das outras e da terra que nos acolhe e sustenta.


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